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O processo de Recuperação Judicial é uma importante ferramenta para que se possa garantir a continuidade da atividade empresarial, evitando-se a falência e salvaguardando-se a função social da Empresa cuja previsão encontra-se no art. 170, inciso III, da Constituição federal de 1988. Deste modo, a legislação brasileira apresenta diversas salvaguardas para que as Pessoas Jurídicas Recuperandas possam sair desta fase sem que ela resulte em falência.
A preservação das Empresas em Recuperação Judicial também se respalda nos fundamentos da República Federativa do Brasil, especificamente no valor social do trabalho e da livre iniciativa inscritos no art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988.
Dentre estas garantias, dispõe o art. 6º, inciso III, da Lei nº 11.101/2005 – Lei de Recuperação Judicial – a proibição a qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
Assim, o Legislador optou por tornar efetivo o Plano de Recuperação Judicial, para que se possa sanear as contas da Empresa Recuperanda com uma previsibilidade mínima das suas obrigações. Mas, neste cenário, os débitos fiscais se mostram um grande empecilho para o fiel cumprimento do PRJ, o que é agravado pela exigência de Garantia do Juízo para que as Empresas possam se defender através da oposição de Embargos à Execução Fiscal.
Afinal, como regra geral, o art. 16, §1º da Lei nº 6.830/1980 define a Garantia do Juízo como requisito para a admissibilidade dos Embargos à Execução Fiscal. Entretando, a exigência de tal requisito pode se mostrar uma violação à garantia constitucional ao acesso à justiça, prevista no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Este é o caso das Pessoas Jurídicas em Recuperação Judicial, que têm na exigência da Garantia do Juízo como requisito de admissibilidade dos Embargos à Execução um óbice à sua ampla defesa em sede do processo executivo fiscal. Como dito, a Recuperação Judicial é um instituto jurídico que se pauta pelo princípio da preservação da empresa em nome da sua função social, conforme observa-se do art. 47, caput, da Lei nº 11.101/2005.
Deste modo, a partir de uma interpretação sistêmica do ordenamento jurídico, se tem como necessário que, nos casos em que a Empresa que opõe Embargos à Execução Fiscal se encontre em Recuperação Judicial, sejam observadas as regras e princípios normativo-constitucionais que regem o referido instituto. Assim, em nome da preservação da empresa, com a sua função social e a primazia da continuidade das atividades econômicas, nestes casos deve haver a dispensa da Garantia do Juízo.
Embora as Execuções Fiscais tenham sido excepcionalizadas das hipóteses em que será suspensa a tramitação e proibida a constrição de bens da Pessoa Jurídica em Recuperação Judicial, o art. 6º, §7º-B, da Lei nº 11.101/2005 confere ao Juízo da Recuperação Judicial a competência para decidir sobre atos praticados em meio à demanda executiva. Isto evidencia a forma suis generis com que a legislação trata o fenômeno da RJ.
Observa-se que a Lei impõe um tratamento diferenciado às Pessoas Jurídicas em Recuperação Judicial, até mesmo em sede de Execução Fiscal, em nome da primazia da manutenção das atividades empresariais e da proteção da sua função social. Neste sentido, a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme as decisões tomadas no julgamento do AgInt no REsp: 1.836.609/TO e do REsp: 1.487.772/SE, entende que “é possível o recebimento dos embargos à execução fiscal sem a apresentação de garantia do juízo, quando efetivamente comprovado o estado de hipossuficiência patrimonial do devedor”.
Mas, é necessário destacar que além da dispensa da Garantia do Juízo, que deve ser entendida como a regra para Pessoas Jurídicas em Recuperação Judicial, tem se consolidado o entendimento segundo o qual é possível haver a habilitação do valor referente à Garantia junto aos créditos submetidos à RJ. Estando a Pessoa Jurídica Embargante em processo de Recuperação Judicial, todo o seu patrimônio está por ela afetado. Deste modo, por se tratar de condição fático-jurídica excepcional, através da qual se busca garantir a continuidade da atividade empresarial, entende-se que é possível o uso de reserva de crédito como meio de se garantir o Juízo na oposição de Embargos à Execução.
Embora a cobrança judicial de débitos tributários e a cobrança de dívida ativa da Fazenda Pública não estejam sujeitas à habilitação de crédito na Recuperação Judicial, inexiste impedimento legal para que a reserva de crédito em sede de Recuperação Judicial possa ser aceita como Garantia do Juízo para a oposição de Embargos à Execução.
Esta medida, apesar de ser interpretada como excepcional, visto que a regra deve ser a dispensa, se mostra essencial para a manutenção das atividades econômicas e empresariais por parte da Pessoa Jurídica Recuperanda, viabilizando a continuidade das atividades econômicas e o cumprimento do plano de recuperação, uma vez que o ente tributante não se sujeita a habilitação de crédito.